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Eu estou Elisabete. Tenho 61 anos.Sou estudante do 7º semestre de Pedagogia da Uneb, Campus I.

RUA MACIEL DE CIMA SUAS LENDAS E VERDADES


 Essa pesquisa foi idealizada a partir da Disciplina Referenciais Teóricos metodológicos da História, coordenada pelo professor Alfredo, na UNEB (Universidade do Estado da Bahia), Campus I, Salvador. A finalidade da mesma é conhecer e reconhecer o contexto onde nascemos.  No meu caso trago algumas nuances da Rua Maciel de Cima, localizada no Pelourinho, em Salvador/Bahia, pois foi aí que nasci há sessenta e um anos. Essa área foi marginalizada, pois apesar de fazer parte do Centro Histórico de Salvador e ser considerada como uma parcela do patrimônio cultural, que passou por um longo tempo pela manipulação do capitalismo e até hoje sofre com a intervenção como espaço de produção, basta observar-se para identificar o quanto esse contexto foi modificado.

                     A casa onde nasci


        








 A Rua Maciel de Cima foi colonizada pelos portugueses, foi um dos lugares utilizados para castigar os que eram considerados “criminosos”, na época da escravidão e teve grande importância mercantil no capitalismo comercial, por isso foi transformada naquele contexto sendo a sua arquitetura em estilo colonial. A influência do capitalismo industrial e financeiro serviu também para trazer para aquela área diferentes classes sociais, provocando conflitos sócioespaciais em relação à cultura e a identidade.

No século XVII, na Rua Maciel de Cima, foram construídos sobrados e grandes solares em sua adjacência, pois essa época residiam aí grandes aristocratas e proprietários rurais , que  evidenciavam o seu poder nas construções das suas residências.

No século XVIII, vieram residir nesse local alguns profissionais liberais mudando a caracterização da rua, pois atraiu um público diferente do século anterior, que era assinalado por prostitutas e vendedores de drogas, que consequentemente difundiu a violência. Embora, a Rua Maciel de Cima tenha sido marginalizada com a presença desse público, atualmente ela alcançou um crescimento espacial na gastronomia, e nas associações comprometidas com ações sociais, vê-se também uma revalorização pelo artesanato, arquitetura barroca, centros culturais, culinárias baianas e organizações socioculturais.
A Rua Maciel de Cima, assim como a Rua Maciel de Baixo, foram originadas de José Sotero Maciel de Sá Barreto, considerado figura importante, tinha até brasão de armas na porta do seu solar, que mais tarde se chamou Ferrão, local que abriga hoje um museu e a Biblioteca do IPAC. Essas ruas estão localizadas em um sítio que antigamente era conhecido como a Quinta do Maciel, nessa localidade também tinha uma lavoura de subsistência, e mais tarde abriu uma via chamada Rua das Flores.

Para falar da Rua Maciel de Cima temos que contextualizar um pouco de Salvador, cidade que em meados do século XVII abrigava mais ou menos 10 mil habitantes. Essa população dobrava de 50 em 50 anos e já no meio do século XVIII, a cidade já tinha 40 mil habitantes.

O Bairro do Pelourinho em 1986 foi declarado pela UNESCO como Patrimônio Histórico da Humanidade. É considerado como conjunto mais valioso da arquitetura colonial brasileira, com mais ou menos 3.000 imóveis, um terço deles passou pelo processo de restauração.

 O nome Pelourinho é originário do tronco usado para o açoite dos negros, índios e os considerados “foras da lei “na época da escravidão no Brasil. O Pelourinho simboliza também a autoridade da Coroa portuguesa.

O largo do Pelourinho foi edificado no final do século XVIII. Ali se ostentou não só a autoridade governamental, como também, a nobreza da classe alta baiana, os senhores de engenho, médicos, professores. Devido a decadência da produção de açúcar, essa área foi abandonada pelos seus moradores, sendo ocupada por cortiços e lojas comerciais.

Era um bairro eminentemente residencial, onde se concentravam as melhores moradias, até o início do século XX.

A partir dos anos 60, o Pelourinho sofreu um forte processo de degradação, com a modernização da cidade e a transferência de atividades econômicas para outras regiões da capital baiana, o que transformou a região do Centro Histórico em um antro de prostituição e marginalidade.

A partir dos anos 80 (com o reconhecimento do seu conjunto arquitetônico como patrimônio da humanidade pela UNESCO) e dos anos 90 (com a revitalização da região) é que o Pelourinho transformou-se no que é hoje: um centro de "efervescência" cultural.

Em 1991, o Pelourinho foi reformado passou pelo processo de revitalização, com a finalidade de melhorar os aspectos físicos dos prédios e vilas, e ao mesmo tempo buscando meios de combater a prostituição e a criminalidade ali existente, dando mais tranquilidade aos visitantes e comerciantes. Foram desapropriadas diversas residências e nesses locais foram locados bares, restaurantes e outros tipos de comércios atrativos para os visitantes locais e de fora. Com a revitalização o Pelourinho passou a atrair artistas de todos os gêneros: cinema, música, pintura, tornando-o um importante centro cultural de Salvador.

Mas a revitalização do Pelourinho não agradou a todos. Apesar, de o local ser muito visitado por turistas, ser beneficiado com ações do Governo, realizando festas e variadas diversões, alguns estudiosos consideram o mesmo como sendo um grande museu para visitação de turistas, mas que é um engodo por se tratar de uma coisa artificial, já que para eles a vida que existia no Pelourinho deixou de existir.

Para algumas constatações a respeito da atual situação do Pelourinho, com a revitalização e da possibilidade de alguns atrativos turísticos diferentes daqueles que todos que ali vão estão acostumados, fiz quatro entrevistas com pessoas que convivem diariamente naquele contexto. Uma entrevista foi com o Sr. Renato, ele é artista, pinta quadros com diversas temáticas e a sua loja é a “Boutique Muzenza”, que fica na Maciel de Cima. Segundo Sr. Renato a revitalização não trouxe nenhuma melhoria, especialmente para o comercio, já que as vendas caíram mais de 60%. Quanto à segurança local, ele acha que deixa muito a desejar. O mesmo já está pensando em fechar o seu estabelecimento.

Outra entrevistada foi a Srª Carmen, ela é paulista, proprietária da “Pousada Solar das Artes”, no Maciel de Cima e de outra que fica no Morro de São Paulo. Ela tem pouco tempo de comercio, mas salientou que o Pelourinho ainda precisa de muita mudança, já que a limpeza, a segurança e outros requisitos necessários para a tranquilidade do cliente e do comerciante local, deixam muito a desejar.

O terceiro entrevistado foi o Sr. Kimura Mota, dono do “Bar e Restaurante JK”, também localizado no Maciel de Cima, para Sr. Kimura o seu bar e restaurante é um local importante a ser visitado. Ele acha que foi válida a revitalização, inclusive disse que o seu comercio aumentou as vendas. No tocante à segurança, ele afirma que o local é bastante seguro e que os problemas existentes no Pelourinho existem em outros lugares. Salientou que a sua clientela é bastante diversificada. O seu restaurante é frequentado por turistas do Brasil e de outras partes do Mundo.

Finalizando as minhas entrevistas tive uma grande surpresa ao atender um pedido do professor Alfredo, que coordena essa pesquisa. Ele solicitou uma entrevista sobre o Pelourinho e suas adjacências com o Sr. Clarindo Silva, dono da “Cantina da Lua”, que fica instalada junto ao Cruzeiro de São Francisco, no Terreiro de Jesus. Essa entrevista foi para mim uma experiência bastante enriquecedora e gostosa. Pois, Clarindo Silva na minha concepção é um ser humano acima das expectativas das qualidades humanas.

                          A Cantina da Lua

Chegando á “Cantina da Lua” muito apreensiva e nervosa fui carinhosamente recebida por ele, o que mim fez acreditar que a minha pesquisa não importava a valoração dada pelo orientador, e sim pelas pessoas maravilhosas como foram os meus entrevistados, especialmente Clarindo.

 Eu e Clarindo Silva no dia da entrevista
 na Cantina da Lua












Ao entrevistar Clarindo pude me apossar realmente de muitas especificidades do Pelourinho. Para iniciar falarei um pouco sobre Clarindo Silva, da Cantina da Lua e por fim algumas informações sobre o bairro pesquisado, as pessoas que viveram aí, figuras importantes, tudo narrado por esse poeta do amor que é Clarindo.
Clarindo chegou ao Pelourinho em 1954, para trabalhar no “Bazar Americano”, como empregado domestico batedor de ferrugem, auxiliar de balcão, balconista, subgerente, gerente e contador. Além de exercer essas profissões no bazar, ele também trabalhou no Jornal A Tarde, onde era comandado pelo jornalista Otacílio Fonseca, no Jornal da Bahia com Roland Aguiar e na Tribuna da Bahia com Quintino Carvalho.  No bazar ele trabalhou 17 anos. Antes da cantina da lua, aquele local foi ocupado por uma casa bancária, redação de vários jornais, berço de nascimento do grande estadista Agrário de Menezes, sala da diretoria da faculdade de medicina e em uma das partes ficava o “Bazar Americano” e antes de tudo isso o prédio foi ocupado pela “Pastelaria do Pombo”. O dono da cantina era Renato Silva. A cantina foi fundada em 1945, pois a crise pós guerra quase levou a fechamento do bazar, então Eduardo que era o dono do bazar ficou só com uma das portas e cedeu às outras duas que davam para a Igreja São Pedro dos Clérigos, para Renato Santos, que fundou a “Cantina da Lua” em homenagem aos apaixonados, dos enamorados e boêmios, porque naquela época a lua era considerada como símbolo romântico da terra. Em 1971 Clarindo Silva tornou-se arrendatário da “Cantina da Lua”. A cantina da lua tinha nos seus arredores, a Pastelaria Perez, o Bar Brasília, o Lanche Moderno, a Casa Varela e o Ponto de São Francisco. Em 69 ele casa e em 70 nasce o primeiro filho, nessa época trabalhava no bazar e ganhava 240 cruzeiros. Em 1971 depois de 17 anos trabalhando no bazar ele pede as contas. Ele tenta um acordo e não consegue. Aí que ele arrenda a cantina da lua, com apenas 150 cruzeiros que tomou emprestado na mão do pai, que de inicio não queria que ele arrendasse a cantina.

Na época o antigo dono não vendia tira-gosto e ele colocou numa cartolina escrito “Não beba sem se alimentar” e foi um  sucesso a venda de tira-gosto. Depois ele lança uma feijoada que foi sucesso também, em substituição a um jogo de dominó que era realizado naquele local. Teve quatro filhos todos formados. É casado há 43 anos e se tivesse que casar casaria com a mesma mulher, segundo ele. Ao falar do pai e da mãe ele se emocionou. Sua mãe chamava-se Maria da Conceição Silva e o seu pai, Manoel Cosme de Jesus.  Eu não podia deixar de falar dos seus livros, um deles que ganhei que é “Memórias da Cantina da Lua”, uma delicia de se ler e ótimo para se conhecer sobre a vida desse ser maravilhoso que é Clarindo e a sua relação de amor com o Pelourinho e com a causa em favor da revitalização do centro histórico e sua circunvizinhança.
Quando perguntado sobre a infraestrutura do Pelourinho nos anos 50 ele disse o seguinte: Era uma estrutura antiga, a rede esgoto da Rua Alfredo Brito e praticamente de todo Centro Histórico ainda era do fim do século XIX, o comercio era bastante ativo, tinha armarinho, farmácias, lanchonetes, livraria, a pastelaria, destacando-se a Pastelaria Perez. Na década de 70 com esvaziamento do Pelourinho, além das instituições que foram desativadas, houve também o fechamento de muitos estabelecimentos comerciais. Na segunda-feira era um dia de grande glamour, as famílias tradicionais colocavam as melhores roupas para passear na Rua Chile e iam visitar as lojas Sloper, O Adamastor e Lojas América.  Na terça a comunidade negra se arrumava para ir à benção e assistir e conhecer um pouco da nossa cultura. Ao ser indagado sobre como era o Pelourinho na década de 50 ele falou o seguinte: a partir do final da década de 60 tiraram dali a Faculdade de medicina, o Instituto Nina Legal, a sede do INCRA, a Academia de Letras da Bahia, fecharam o cine Santo Antonio e o cine Popular, a fabrica de macarrão Progresso, desativaram o plano inclinado do Pilar e o charriou do Taboão, o terminal de ônibus da Praça da Sé, tiraram de lá a administração municipal e estadual. Houve um incêndio no Museu de Artes e Ofício foi aí que ele e outros interessados pela área fundaram uma entidade  chamada resistência  com a perspectiva de lutar pela revitalização do centro histórico. Essa entidade obteve um grande sucesso até os finais da década de 70, com algumas intervenções políticas ela foi desativada, mas 1983, Clarindo reuniu alguns boêmios, intelectuais e alguns visitantes anônimos, e criaram o Projeto Cultural Cantina da Lua, que tinha como objetivo lutar pela revitalização e pela preservação da memória cultural daquele local. Então surgiu a festa da Benção em 1983, que hoje é conhecida como a benção do Olodum, da fundação até 1981 foram realizados 800 shows, fizeram exposição de 4000 esculturas, fizeram um manifesto a nação e entregaram ao Presidente Sarney, entregaram ao papa João Paulo II uma carta com o projeto pro cantina da lua, onde falavam do abandono da igreja da Barroquinha, do abandono da faculdade de medicina, que foi a primeira escola de medicina do Brasil, falaram da esterilização das mulheres negras e do desemprego e o papa respondeu a carta.  
Clarindo também nos falou de figuras que continuam em sua memória como: Bigodinho (dono do bar Brasília), Tenente Albino, Margô, Alzira do Conforto, Benicio (era o porteiro do Nina Rodrigues, ex-companheiro de cangaceiros), Miguel (engraxate que tinha uma banca e se orgulhava de ter engraxado sapatos de muitas autoridades, como os do ex-prefeito Heitor Dias), Leal (também engraxate, mas dizia ter orgulho de ter sido aluno do Mestre Bimba), de Sizenando que foi o cabeleireiro de Rui Barbosa. Além disso, ele destacou figuras importantes que marcaram a sua vida e a vida de outras pessoas tais como: o Major Cosme de Farias, que sintetizava todas as figuras importantes que moravam ali. Major Cosme de farias era um defensor das causas dos menos favorecidos, fundou a “Liga baiana Contra o Analfabetismo”, publicou cartilhas e manteve algumas escolas para a população pobre de salvador e de outras cidades baianas. Ele atendia as pessoas na Rua 28 de setembro a na igreja de São Domingos.

No que se refere ao comercio nos anos 50 ele nos contou que: era diversificado, mas com a degradação do Pelourinho o comercio mudou, o espaço começou a ser ocupado por lojas de artesanato, bares, restaurantes e casas de espetáculo. Foram programadas para o Pelourinho dez etapas de revitalização e ele espera que algo seja feito pelo espaço, já que considera o Pelourinho como o coração da Cidade de Salvador e para que as artérias desse grande coração que é Salvador sejam alimentadas é preciso que cuidem da ladeira do Pilar, do Ferrão, do Camelô, da Montanha, Monturo, São Francisco, Taboão e outras. É preciso que as quatro etapas que faltam sejam agilizadas porque é nessas etapas que mecanismos serão criados para que o Pelourinho possa voltar a ter uma vida ativa.

Quando indagado sobre entretenimento que existia ele respondeu o seguinte: a fonte luminosa do Terreiro de Jesus, os coretos onde as bandas e retretas se revezavam, que todos assistiam e aplaudiam o centro histórico, o Pelourinho, o Cruzeiro de São Francisco e a Praça da Sé, símbolos do carnaval. Tinha os grupos os Inocentes do Progresso, o Cruz vermelha, Filhos do morro, Filhos de Gandhi, filhos de Obá, Mercadores de Bagdá de Nelson Maleiro (era o precursor do instrumento de percussão na Bahia). O sentar na calçada nas cadeiras de lona para assistir o carnaval. Quanto o que gostaria de resgatar para o bairro do Pelourinho ele citou: a vida social e cultural ativa e que precisa ser resgatada. E para isso é preciso apagar essa imagem de um bairro perigoso, até porque ele é único bairro de Salvador que tem uma delegacia de atendimento ao turista, 12 câmaras de monitoramento, mas também trabalhar junto às autoridades e a sociedade para o combate ao problema social grave que vive o Pelourinho, onde ninguém consegue dá um passo sem ser abordado. Nos últimos seis anos 70 estabelecimentos comerciais foram fechados e isso não pode acontecer com um local onde é considerado o maior conjunto arquitetônico barroco da America Latina. Para finalizar convido a todos para conhecerem a “Cantina da Lua” e ter o prazer de conhecer e de poder tocar na mão de Clarindo Silva e sentir a energia de um ser luz, um ser amor.

Muito obrigada a Clarindo Silva por ter- me oportunizado conhecê-lo pessoalmente.

        A OBRA PRIMA DE CLARINDO SILVA
    O LIVRO "MEMÓRIAS DA CANTINA DA LUA"

REFERÊNCIAS

DOREA, Luiz Eduardo. Histórias de Salvador nos Nomes das suas Ruas. Salvador: EDUFBA, 2006.


SALVADOR, Prefeitura Municipal. Salvador a Cidade e o Tempo. Salvador. Instituto Via Magia; Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 2006.  

SANTOS, Milton. O Centro da Cidade do Salvador: Estudo da Geografia Urbana. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: EDUFBA, 2008.

SILVA, Clarindo. Memórias da Cantina da Lua. Salvador/BA: Ed. Do Autor, 2004.